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Tobias, o Senhor Cão

03 novembro




No dia 11 de Outubro, participei na Marcha do Dia do Animal.


"Os animais não são coisas!"



"Queremos mais protecção para os animais!"

"Matadouros municipais, não mais!"


Foram palavras de ordem que gritei, com um aperto no peito e lágrimas nos olhos.

Já vos contei a história do Balu. Hoje, conto-vos a do Tobias.



Enquanto escrevo este texto, o Tobias dorme ao meu lado. Está quentinho e relaxado, no sofá.

A vida tem destas coisas. Quando o vi pela primeira vez, sozinho e com um ar simpático, nunca pensei que os nossos caminhos se cruzassem.

Lá estava ele, especado, com a língua de fora. Olhava fixamente para o Balu, com um ar simpático. Tanto olhou, que o Balu começou a ladrar.

Pois é, Balu. Também nunca o vi por aqui. (eu converso bastante com o meu cão)

Nesse dia, ele tinha um ar alegre e despreocupado. Mas estava sozinho. Na altura, pensei que fosse a mais recente adopção de uma espécie de crazy dog lady que vive na minha zona.

Hoje, acredito que aquele tenha sido o dia em que ele foi abandonado.

Mais tarde, voltei a ver aquele pequeno focinho amoroso. Mas já não era o mesmo cão. Estava triste. Apagado. Deitado no chão, na rua, de cabeça baixa. Sujo. Reparei que coxeava.

Voltei a vê-lo no dia seguinte, no mesmo sítio.  Estava perto da estrada e não saía dali.

© Cátia Costa
© Cátia Costa

Não sei precisar os dias que passaram. Eu e o meu irmão levámos-lhe ração e água. Ele afastou-se, desconfiado. Apercebemo-nos de que alguém o andava a alimentar e ficámos um pouco mais descansados. 

Tirei algumas fotografias e divulguei-as no Facebook, na esperança de que ele estivesse perdido e que as imagens chegassem aos donos.

Nessa noite, passei por ele e aproximei-me. Fiz-lhe festas e percebi que ele tinha o olhar vazio. Estava apático. Manteve-se deitado, quieto, com o olhar fixo num ponto, sem qualquer tipo de reacção. Voltei para casa a custo. Senti-me impotente e com o coração apertado, por saber que ele ia passar mais uma noite ao relento.

A minha página tem poucos seguidores mas, de alguma forma, as fotografias foram partilhadas e chegaram a centenas de pessoas. Os donos não apareceram. Muitos tinham pena e queriam saber novidades. Alguns diziam que o podiam ir buscar, mas ninguém o fez.

© Cátia Costa

Entretanto, fui passar esse fim-de-semana fora. Fui ligando ao meu irmão, para saber se o cão ainda estava por lá e se havia novidades. Regressei na segunda-feira ao fim da tarde, decidida a levá-lo ao nosso veterinário, no dia seguinte.

Na terça-feira, dia 8 de Setembro, saí cedo do trabalho. Estive sempre com um aperto no estômago, com medo de não ir a tempo. Com medo que alguém lhe tivesse feito mal, que tivesse sido atropelado ou que estivesse perdido, algures. Enfim, estava assustada, com a ideia de ser tarde de mais.

Mas lá estava ele. Deitado à entrada de um prédio. Aproximei-me, devagar, e lá lhe pus a trela do Balu. Nem reagiu. Dei um puxãozinho, mas ele continuava deitado. Aos poucos lá se levantou e pé ante pé, fomos andando. Não tenho carro e o consultório fica longe da minha casa mas, devagarinho, lá chegámos. Um bocadinho andando, um bocadinho ao colo.

O veterinário disse-nos o que já se esperava: não tem chip; o mais certo é ter sido abandonado.

Ele andava tão devagar e parecia tão cansado e desanimado, que assumi que já fosse velhote. Tal não foi o meu espanto quando, depois de lhe examinar os dentes, o doutor disse que teria entre 4 e 5 anos.

No geral, estava saudável. A patinha estava apenas magoada e parecia estar tudo bem com ele.

Claro que o trouxemos para casa. Aos poucos, fomos descobrindo um cão totalmente diferente. Mesmo ao regressarmos, depois da consulta, já ele vinha com mais energia.

Nessa noite, vi-o sentado no sofá, quentinho e de banhinho tomado. Em casa. Seguro. Aproximei-me dele e ele deu-me uma lambidela no nariz. Foi o bastante para que eu caísse num pranto. Como é que alguém foi capaz de deixar este pequeno na rua? Como é que alguém pôde ser tão cruel?

O primeiro dia © Cátia Costa

Dia após dia, o Senhor Cão, como o passámos a chamar, foi-se revelando mais brincalhão, sociável, inteligente e muito, muito amoroso. Pareceu-me sentir gratidão da parte dele, como se soubesse que lhe demos a mão.

Procurámos e procurámos por alguém que o quisesse.

Não encontrámos ninguém para ele, entre amigos e conhecidos. Não confiámos em nenhum dos desconhecidos que surgiram. Ele apaixonou-se por nós e nós por ele.

Eu vivo num apartamento. Tenho um cão de porte grande e um gato pouco sociável. Sabia que ia ficar sem trabalho por esta altura. É claro que não podíamos ficar com ele.

Mas ficámos. Fui ingénua? Fui. É claro que nunca seria capaz de o dar. De o atirar para o desconhecido, mais uma vez. Pessoas com boas intenções? Há demasiadas. Não confiei. Não fui capaz. O Senhor Cão não podia voltar a passar pelo mesmo. Não podia ficar com alguém que o deixasse na rua, de novo.

Sempre que vamos passear, ele dá pulinhos de alegria. Completamente louco. Salta, ladra e rodopia. Assim que me vê de casaco vestido, já está a correr pela casa, em euforia.

No dia em que o abandonaram, ele deve ter feito esta festa. Quando o levaram para o carro, ele pensou que ia dar um passeio. Ao deixarem-no sozinho, numa rua desconhecida, ele esperou e esperou e esperou que o fossem buscar. Manteve-se leal à sua família. Olhava para cada carro que passava, à procura. Provavelmente, é por isso que coxeia. Ele ficava, ali, no meio da estrada. Ninguém apareceu.

Sempre que passávamos por aquela zona, ele ficava de novo com aquele semblante negro no olhar. E puxava, a tentar voltar para o sítio onde o deixaram.

Sim, houve quem visse o que aconteceu. Contaram-me. Passaram de carro, pararam, deixaram o cão e seguiram caminho. Tão simples. Tão fácil, não é? Deitaram-no fora. Já não prestava.

O Tobias está ali, no sofá, a lamber a patinha. Quando eu desligar o computador e for dormir, ele vai comigo. Tem uma (espécie de) poltrona só p'ra ele, mas prefere deitar-se na cama, ao meu lado ou aos meus pés. Até debaixo dos cobertores, às vezes. Gosta de mimo, gosta de sofá, mantinhas e tapetes. Gosta de snacks e adora brincar. Dá beijinhos e vem ter connosco a pedir festinhas.

© Cátia Costa
© Cátia Costa

Nem tudo são rosas. Lambe-se demasiado. Come o cocó e a comida do Peri, se não estivermos atentos. É possessivo com os ossos e rosna quando lhe tentamos tirar os brinquedos. É territorial. No alto dos seus 10 quilos, já tentou montar o Balu, algumas vezes (nada disto me surpreende, tendo em conta que ainda não foi esterilizado).

Não respondia a comandos básicos como "senta" ou "deita", quando chegou. Rosnava a qualquer cão que se aproximasse. Ladrava, em histeria, sempre que nos afastávamos, nem que fosse para irmos à casa de banho. Ao sair de casa, deixava-o a ladrar. Hoje, acho que ele sabe que não vamos a lado nenhum. Que sempre que saímos, regressamos.

O Tobias é um cão. Já me estragou uma blusa e umas revistas. Já fez xixi em casa, algumas vezes. Isto, para quem tem um Balu que fura paredes e come colchões, não é nada.

© Cátia Costa

São crimes tão graves que merecesse ser abandonado? Ele tem 5 anos. Será que foram passados com a mesma família? Quero acreditar que alguém gostou dele, que alguém o tratou bem. Que esse alguém ficou doente ou faleceu e que os familiares dessa pessoa é que fizeram isto. Eu quero acreditar que o Tobias teve alguém, que ficaria feliz por saber que ele está bem.

É o nosso pequenino. O nosso lobo em pele de cordeiro. Não sei se vai ficar comigo ou com o meu irmão, um dia que eu saia de casa. Mas é família. Isso, é ponto assente. É o nosso Tobias. E é feliz.

Já leram o livro Tobias e o Anjo, da Susanna Tamaro? É um dos meus livros favoritos, da minha infância. É daí que vem o nome dele. 

A história do Tobias continua a ser escrita.

© Cátia Costa

Obrigada por terem lido até ao fim! Espero que tenham gostado de conhecer o mano do Balu e do Peri. Não se esqueçam de deixar o vosso comentário. Se gostaram, partilhem 

Podem sempre contar com fotografias dos meus patudos, no Instagram :)

23 comments

  1. Que história mais comovente: o Tobias, o senhor cão!
    Não imaginas como fico feliz :) quando encontro pessoas como tu que partilham histórias felizes como esta.

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    1. ^^ é, acaba por ser uma história feliz. Obrigada, Débora :)

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  2. Até fiquei emocionada, tenho uma cadela é gosto tanto dela, é da família, toda a gente a adora, é super carinhosa e brincalhona e só de pensar que há gente que tem consciência que vão abandonar cães e não saber mais o que vai acontecer parte-me o coração. Foste fantástica e parabéns, nem toda a gente ficaria com o senhor cão, quer por condições ou pela questão monetaria, porque ter um cão cuidado não é barato.

    Http://Saltosecomputadores.blogspot.pt

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    1. É preciso ter um coração de pedra, mesmo. Não consigo encaixar.
      Obrigada, Inês :)

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  3. E é tão bonito :) Que bom cuidares tão bem dele.

    Perdida em Combate

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    1. Por acaso é bem fofinho xD eu sempre preferi cães grandes, como o Balu. Se eu pudesse criar o meu cão de sonho, fisicamente, era o Balu, sem tirar nem pôr. Por acaso, aconteceu. Na altura em que decidi adoptar um cão, nem estava minimamente preocupada com esses pormenores. Já o Tobias, é pequenino, branco e peludinho, o cão que eu nunca imaginei para mim xD e conquistou-me à primeira, o sacaninha ^^

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  4. Esta história é tão semelhante à de todos os que têm o coração tão grande, que cabe sempre mais um...sei o que isso é. A bicharada que tenho em casa neste momento foi toda resgatada da rua. Também tenho um Tobias - um cão tão traumatizado coma vida, já velhinho, que ninguém dá por ele lá em casa, mas pelo menos já gosta de estar connosco - mas não confia em nenhum estranho, nunca. De cada vez que vê uma vassoura ou ouve um trovão, faz xixi pelas pernas abaixo. Nem quero pensar o que lhe devem ter feito antes de o deixarem no meio do mato...cão de caça velho, é assim. Há pessoas assim. Haja sempre gente para lhes dar uma nova esperança :)

    Jiji

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    1. Infelizmente, é a realidade para muitos cães de caça :( são usados como ferramenta e deitados fora quando já não servem. Que bom que ficaste com ele :)
      Mesmo. Há muitos "Tobias" por este mundo fora. Que haja sempre alguém para ajudar um que seja. Uma boa acção de cada vez e o mundo melhora, não é? :)

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  5. Gostei muito de conhecer a história do Tobias, é de louvar tudo o que fez por ele! Continua a ser revoltante perceber que tantas pessoas ainda tratam os animais como objectos que podem largar quando lhes convém. Por outro lado noto que também existe muita gente pronta para se mover e contrariar esses actos de maldade. Ainda bem :)

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    1. É verdade, quero acreditar que há mais gente boa do que gente má ou indiferente :)
      Obrigada ^^

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  6. adorei conhecer este menino!! :) <3

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  7. Aww coitadinho do Sr. Cão! Fico feliz por saber que ainda existem pessoas humanas como tu, e que sabem dar valor aos animais. Há uns anos atrás aconteceu-me o mesmo, um cachorrinho apareceu na minha rua, e por aqui foi ficando. Demos-lhe comida e bebida na esperança que alguém aparecesse, mas nada. Passado uma semana lá o acolhemos, levá-mo-lo ao veterinário e já não voltou. Ao que parece ele sofria de uma doença degenerativa grave que o iria deixar incapacitado de andar, e já estava cheio de dores. Chorei imenso pela maldade dos antigos donos. Como é foram capazes de abandonar um cãozinho só porque estava doente? Ao menos que o abatessem para acabar com o sofrimento dele. Uns dois anos depois também acolhemos outra cadela abandonada mas felizmente estava saudável. É uma autêntica diva mas nós gostamos muito dela.

    "No dia em que o abandonaram, ele deve ter feito esta festa. Quando o levaram para o carro, ele pensou que ia dar um passeio. Ao deixarem-no sozinho, numa rua desconhecida, ele esperou e esperou e esperou que o fossem buscar" esta parte partiu-me o coração por saber que deve ter acontecido exactamente o mesmo com a minha cadela, que mal vê a trela mete-se logo aos pulos e salta logo para a bagageira do carro.

    Ricardo, The Ghostly Walker.

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    1. Nem imagino o que deves ter passado com esse cãozinho :( coitadinho. Foi bom ter a vossa ajuda, ainda que no fim, para parar de sofrer.
      Obrigada por partilhares a tua experiências :) a tua cadela é diva, porque teve esse oportunidade. É bom sinal. Ainda bem que a ajudaste ^^
      Ainda tenho muitos momentos em que olho para ele e só consigo pensar "porquê?". Ele é um amor, mesmo. E dá gosto ver aquele focinho feliz, quando está a brincar ou quando vamos à rua ^^

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  8. Se há coisa que mais me choca neste mundo é a capacidade que algumas pessoas têm em abandonar animais, pelas razões mais absurdas (não há razão possível para tal acto mas há coisas que deixam uma pessoa parva), fico mesmo revoltada, ainda pra mais quando não tenho meios suficientes para ajudar todos os que precisam! Enfim. Fico muito contente pelo Sr. Cão Tobias! E gostei muito de conhecer a sua história, ainda mais de saber que agora está feliz e tem um lar <3
    beijinhos
    thefancycats.blogspot.com

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    1. Sim, eu percebo-te. Nunca há justificação possível mas há casos em que até podemos sentir uma certa empatia, vá. Há pessoas que deixam os cães no canil e que estão convencidas de que eles estão bem entregues, que é algo banal e que é o que se deve fazer quando não há condições para manter o animal, por exemplo - quando adoptei o Balu, a minha avó perguntou-me se ele não estava bem no canil, com a maior das inocências. Agora, deixar um cão no meio da rua? Não há ignorância que desculpe isso.
      Obrigada, Adriana ^^ está feliz da vida, já se sente em casa :)

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  9. Que fofo! Se há algo que me magoa profundamente é a forma como
    são tratado e deixados sempre para segundo plano. Gostava de ver mais carinho, afecto e respeito pelos animais. Quando era pequenina e ainda agora, detestava ir aa festas populares porque via sempre animais abandonados e nunca os podia levar para casa.

    Beijinhos
    http://diaryofalittlebee.blogspot.pt/

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    1. Pois :( falta empatia no ser humano. No que toca aos animais e, até, às outras pessoas. Estamos muito virados para o nosso próprio umbigo. Podes crer. Custa muito vê-los na rua e não poder fazer nada.
      Fico contente por teres vindo conhecer o nosso Tobias ^^ beijinhos**

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  10. oh meu deus, tão fofinho +.+ cuida bem dele!
    xx

    http://nuancesbyritadias.blogspot.pt/

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    1. Claro que sim, Rita ^^ esta semana vai ao veterinário e tudo eheh
      Obrigada pela visita :)

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  11. Li o texto com um aperto enorme no coração. Também não consigo compreender como é que alguém consegue abandonar assim um animal. Já escrevi um post do género no meu blog e ando há umas semanas para escrever a história do último gato que apanhei na rua, mas custa recordar certas coisas, custa lembrar-me que alguém foi capaz de lhe fazer tanto mal, que mesmo já estando cá em casa há um ano ainda não lhe pego ao colo, ainda se esconde sempre que me vê a ir em direcção a ele.
    É triste saber que há muitos animais que não têm a sorte dos meus e dos teus. Mas conforta-me saber que há pessoas como tu, que não ficam indiferentes ao sofrimento destes anjos sem asas e de coração grande.
    Enquanto escrevo isto, a minha cadela está deitada do meu lado a ressonar, uma das gatas está na caminha dela e o casal maravilha está na brincadeira. Se é difícil cuidar e sustentar 4 animais? sim, é e muito, mas é tão gratificante que vale bem todos os sacrifícios :)
    **

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    1. É tão verdade. Ainda dou por mim a olhar para o Tobias e a pensar no que ele teve de passar, no quão devastador deve ter sido para ele. Principalmente agora que o conheço tão bem e sei que é um cão tão apegado à sua família. Ele está sempre connosco, sempre. Ainda agora, está ali deitado na minha cama. Nunca se isola. O mesmo com o Balu que com apenas 2 meses foi parar a um canil de abate. O Peri nasceu mesmo na rua, é diferente. Imagino que a adaptação de um gato seja mais complicada, mas com o tempo o teu gatinho vai ganhar mais confiança :) e tenho a certeza que ele está feliz contigo, mesmo que não queira colo.
      Não conseguimos ajudar todos os animais que passam por estas coisas, mas conseguimos fazer a diferença na vida dos nossos e isso, para eles, vale tudo.
      Tens toda a razão, não é fácil mas é fazível e vale a pena :) <3 obrigada por partilhares parte da tua história comigo ^^ é sempre bom conhecer pessoas como tu e finais felizes.

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